Foto de Jaime Moraes
AHU Image Collection,
[Álbum fotográfico nº6] Missão de Delimitação da Fronteira Sul D'Angola: Campanha de 1931

AHU Image Collection,
[Álbum fotográfico nº6] Missão de Delimitação da Fronteira Sul D'Angola: Campanha de 1931
Ao confrontar-me com estas fotos da rainha Galinacho do Cuanhama, tentei encontrar alguma literatura com esclarecimentos a seu respeito, dado tratar-se de uma figura que faz parte da História de Angola em geral, e da História de Moçâmedes, em particular, porém acabou frustrada a minha busca, pelo muito pouco que encontrei. Pelo menos por ora.
Assim, transcrevo a seguir dois textos, os únicos que consegui, sobre aquela que foi Rainha dos Cuanhamas, sendo o primeiro de Henrique Galvão (1895-1970), do livro "Outras Terras, Outras Gentes", 2.º volume, (1942?), retirado ao um capítulo do livro "Para Aquém e para Além da Chela".
Trata-se pois, de literatura colonial e há que atender, pois, à percepção que se tinha do assunto, na época em questão.

Capa (?) e ilustrações de Fausto Sampaio (datas desconhecidas). retirada daqui:http://literaturacolonialportuguesa.blogs.sapo.pt/tag/cuanhama
Blogue da Rua Nove
Blogue da Rua Nove
pertencente ao Álbum fotográfico nº6, da Missão de Delimitação da Fronteira Sul D'Angola, Campanha de 1931, AHU Image Collection,
"À data da minha última viagem pelo Cuanhama, reinava, em termos bem diferentes, é claro, a sobrinha do Mandume – a Kalinaxo. O Cuanhama era então, como hoje, apenas uma circunscrição de Angola – e a Kalinaxo, apenas uma raínha preta, muito dona dos seus gados e pouco raínha das suas gentes. Era fina e manhosa. Bebia champagne como o Mandume, mas preferia trajar à maneira dos seus: a n'ctuba assente sôbre as nádegas, o peito ressequido orgulhosamente nu, a manteiga escorrendo do cabelo e o perfume do leite azêdo a espalhar-se em volta.Quando conversei com ela, tinha um ar irónico mas triste – um meio sorriso que assentava como um postiço na máscara melancólica. Tinha razão. Ela conhecera a vida fulgurante do Mandume e comparava-a com a monotonia da sua. Trazia encarcerada na substância aventurosa de cuanhama, a ância das guerras, das razias, da prepotência e do domínio – e esmorecia na paz, sob a quietação bovina das manadas e na sucessão de dias iguais.Era apenas uma Raínha de pastores, vassala praticamente de um Chefe de Pôsto – ela, a sobrinha do Mandume, que fôra Chefe altivo e indomável de guerreiros e ladrões!
Compreendo perfeitamente a melancolia da Kalinaxo - muito melhor do que compreendo o orgulho dos civilizados do nosso tempo. Quando comparo as qualidades e defeitos de homens como o Fraga e o Mandume, com as qualidades e os defeitos dos triunfadores da minha geração, choca-me, antes de mais nada, a antítese entre dois sistemas morais. Acima dos defeitos dos primeiros – ou como qualidade dos seus defeitos – pairava o respeito pela coragem, a consideração pela valentia e o culto organizado do brio individual e colectivo. No alto das qualidades dos segundos – ou como um defeito das suas qualidades – vingam o desprêzo pela coragem e pelo carácter e os processos de deformação da coluna vertebral."
Nota: Repare-se que Kalinaxo ou Galinacho, ora surge como mãe de Mandume, ora como sobrinha.
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O segundo texto, encontrei-o num texto intitulado "IN OLHARES DISTANCIADOS: O SANGUE KWANYAMA EM TRÊS VERSÕES COLONIAIS", De Diego Ferreira Marques, Universidade Estadual de Campinas http://www.setorlitafrica.letras.ufrj.br/mulemba/artigo.php?art=artigo_7_4.php
".... Derrotado pelo general português Pereira d'Eça na célebre batalha de Môngua, em 1915, o soba Mamdume ya Ndemufayo (c. 1891–1917), soberano dos Kwanyama, refugiou-se em terreno namibiano e continuou investindo contra as administrações coloniais, tanto em Angola, quanto na Namíbia, até ser emboscado e morto pelos ingleses, episódio após o qual passou a ser apresentado pela narrativa colonial como o protótipo do “chefe bárbaro” que deveria ser suplantado por um processo “civilizatório” (para um estudo das formas e das derivações dessa imagem até o presente, Cf. TIMM, 1999, pp. 145-150).
A seguir à queda de Mamdume, desencadeou-se contra os Kwanyama um violento processo de territorialização, com restrições territoriais, imposição da cobrança do “imposto indígena” e o incremento da missionação naquela área, de que resultou uma massiva cristianização daquela sociedade. É no contexto dessa pesada intervenção que se desenvolve a ação de Sangue Cuanhama e é também a partir dele que se dão as observações de Estermann e de Emílio Pires; um contexto em que, numa imagem diametralmente oposta a de seu tio Mamdume, Kalinaxo (ou “Galinache”), sua sobrinha por via materna e sucessora, passou à crônica portuguesa como personagem representativa de uma certa submissão (leia-se, passividade) diante da ordem colonial e, ao mesmo tempo, como exemplo da decadência das chamadas “autoridades tradicionais”, tal como se pode ler no fragmento seguinte, em que o jornalista Maurício de Oliveira descreve o encontro entre a “rainha” e o Ministro das Colônias de Portugal, Armindo Monteiro, em 1932:
...O ministro e esposa conversam com a rainha Galinache, que fala mal português [Oliveira a define ainda como 'uma mulher de mais de trinta anos que o vício do álcool definha']. Vem um intérprete. A rainha cumprimenta Portugal na pessoa do seu representante, afirmando inteira submissão e respeito às leis portuguesas. O Dr. Armindo Monteiro agradece as saudações e comunica à rainha que vai mandar uma caixa de vinho do Porto... Esta foi sem dúvida, para Galinache, a maior e mais agradável honraria. Os jornalistas conversam também com a rainha. Falamos-lhe dos tempos passados, do Mandume, da guerra... Galinache, não perdendo nunca a distinção de maneiras que a caracteriza, baixa os olhos ao chão e diz: '– Isso são coisas que já são passadas. Hoje, queremos ser todos portugueses... (OLIVEIRA, 1932, pp.145-146)
Ver também:
http://domingossegredo.blogspot.pt/2014/04/mandume-ya-ndemufayo-1894-1917.html
http://www.mazungue.com/angola/index.php?page=Thread&threadID=1386&pageNo=7
http://literaturacolonialportuguesa.blogs.sapo.pt/tag/cuanhama
http://literaturacolonialportuguesa.blogs.sapo.pt/tag/cuanhama
Seguem algumas fotos, estas tiradas quando da visita a Moçâmedes do Presuente da República portuguesa General Carmona, em 1838: |
Esta foto mostra-nos no canto inferior esquerdo, a rainha Galinacho, tendo à sua esq. uma tabuleta indicativa da tribo que representa, e á sua direita a bandeira portuguesa. Galinacho aguarda o desembarque do Presidente da República de Portugal, General Óscar Fragoso Carmona, de visita a Moçâmedes, em 1938, no decurso de uma digressão por terras de África. Seguem algumas fotos da recepção ocorrida na Avenida da República, em Moçâmedes, na qual a rainha Galinacho participou, tendo subido à tribuna para cumprimentar o Presidente, render vassalagem.
Na paragem em frente da tribuna, destaca-se a Rainha Galinacho que faz uma vénia ao Presidente Carmona...
A Rainha Galinacho à frente do desfile das várias etnias, realizado na Avenida da República, a sala de visitas da cidade: "...Assim
foram passando cuanhamas, cuamatos, cacondas, ngivas, naulilas, evales,
namacundes, quipungos, quilengues, muílas, muhembes …
Com
esta visita, Portugal procurava legitimar a sua ideologia em relação às colónias de África, e
definir as formas de relacionamento entre a Metrópole e as colónias, que passaram a denominar-se "Império Colonial Português".
Procurava mostrar ao mundo que o povo das colónias estavam com
Portugal.
Eram os tempos do Império e da redefinição do orgulho nacional, época do Acto Colonial de 1930, anexo à Constituição de 1933, pedra angular da primeira época do Estado Novo e da visão de Portugal no mundo:
...É da
essência orgânica da nação portuguesa desempenhar a função histórica de
possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as populações
indígenas que nele se compreendam exercendo também a influência moral
que lhe é adstrita pelo Padroado do Oriente.

Terminado o desfile, a rainha Galinacho, com o seu séquito e as mulheres dos principais sobas dirigiram-se à tribuna para cumprimentar o Presidente Carmona(na foto, à dt.) que comunicou por meio de um intérprete, e ofereceu à soberana cortes de seda, além de outros presentes, entregando aos chefes medalhas comemorativas da sua visita a Angola. Ver AQUI