"... Pela presença de algumas latas de sardinha de Nantes, reconheci ser ali que foi assassinado o explorador francês Alexandre Laurient que em 1874 estudava o curso do Rio Kunene . Segundo o tesmunho de alguns pescadores da Bahia dos Tigres , a morte do malogrado explorador, passou-se da seguinte forma: Laurient partiu de Mossamedes a pé e só, recommendado a um pescador dos Tigres, a quem pediu dois servicaes para o servirem durante a exploração
do rio. O portuguez cedeu-lhe os pretos, mas avisou-o de que era
perigoso viajar com pouca gente, principalmente sendo serviçaes
contractados, que fogem logo que se encontram longe dos patrões, sendo
pouca a confiança que n'elles depositava; aconselhavao a voltar a Mossamedes ou a Porto Alexandre, onde facilmente arranjaria negros livres do Koroka, já. habituados a prestar
serviços aos brancos, e recommendou-lhe que levasse rancho para elle e
para os pretos, sendo certo que elles o abandonariam, logo que lhes
faltasse o sustento. A isto respondeu
Laurient que tinha confiança na sua arma para matar caça e para
conservar os pretos em respeito e obediencia. Partiu o explorador com
cega confiança na arma e pequena quantidade de provisões, quanto podiam
conduzir dois carregadores. Quando acabava o rancho, mandava um dos
servicaes ä. casa do pescador para lhe conduzir novo fornecimento, quasi
exclusivamente composto de sardinhas de Nantes. De uma vez os pretos
descontentes por falta de comer, e por serem obrigados a fazer constantes viagens á. bahia dos Tigres, além do variado serviço a que
os obrigava o explorador resolveram fugir na occasião em que não havia
rancho, nem apparecia caça. Laurient, desconfiado do plano de fuga,
ameaçou-os de morte e de arma apontada para um d`elles obrigou-o a marchar para a bahia dos Tigres em
busca de novas provisões. O preto partiu, mas deixou-se ficar escondido
no canniço e pela calada da noite, quando o explorador dormia, voltou,
tirou-lhe a arma e varou-lhe o tronco com
um tiro pelas costas. Sabido o caso pelo outro preto, partiu para o
Kunene um grupo de pescadores, entre elles o que tinha emprestado os
serviçaes; enterraram o cadaver, recolheram os seus papeis e prenderam o
assassino, que foi julgado e condemnado a degredo. Os papeis, a arma e os seus instrumentos foram entregues ao Governador de Mossamedes, ignorandose o fim que levaram. Como homenagem aos
trabalhos d'este corajoso explorador, sacrificado aos interesses da
sciencia e da humanidade e assassinado em territorio portuguez, entrei
em diligencias afim de saber o paradeiro das suas notas e cartas para as
fazer chegar ao conhecimento do mundo scientifico. Deixando aqui
consignado o testemunho de respeito de um modesto peoneiro portuguez ä.
memoria do infeliz Alexandre Laurient prosigo na minha narrativa."
Fim de transcrição.
https://books.google.pt/books?id=y-czAQAAMAAJ&printsec=frontcover&dq=Portugal+em+Africa:+revista+scientifica,+Volume+5&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwjS1oG3g4bdAhUFfxoKHdRFBbMQ6AEIKDAA#v=onepage&q=baia%20dos%20tigres%20revista%20scientifica%2C%20Volume%205&f=false
Fim de transcrição.